Três segundos
Um vento gélido transpassa minha pele, enquanto me detenho ao fato testemunhado. Como se no decorrer de três segundos, a vida perdesse o sentido, ou ganhasse. Prévios instantes nos quais pensava eu no olhar vindo daquela direção, se era insolente tentando ganhar espaço em meus devaneios, e me aturdiu, até mesmo me fez cogitar a hipótese de olhar de volta. Isso logo depois de ter encarado meus desafios em relação à fragilidade do meu corpo, em contraste aos sonhos que a imaginação pintou com todas as cores possíveis, não seja esta a questão.
De onde vinha aquele medo... não sei exatamente. Sei que me senti desprovida de apoio, além do chão em que equilibrava minhas pernas. Nada podia evitar o tão súbito encerramento do meu capítulo. Tentamos sempre iludir o inevitável, mas eu não tinha esta pretensão. Apenas delineava que não poderia ter sido só isso. Na verdade, poderia, e esta possibilidade corroia minhas possibilidades. Uma a uma.
Em tão curto intervalo, lembrei de um milhão de fotografias ainda por tirar, visualizei todas as etapas por vir do crescimento do meu filho, visitei os lugares ignorados, li os livros por comprar e tentei absorver o máximo de um futuro vacilante. Ao mesmo tempo, a angústia me transtornava, por tudo isso aí relacionado. Tirava minhas perspectivas de momentos vislumbrados, meu motivo para querer continuar vivendo. É impressionante como a vida ganha sentido quando evidencia sua própria falta de sentido.
Sobre aquele olhar, ao qual fui extremamente displicente, em todo o egoísmo de meus temores, e dele ainda extraí falsa impressão, apesar de tão absorto quanto sua alma. O olhar já não estava mais em meus pensamentos quando o corpo caiu, dentro daquele cubículo de oscilação vertical. Retornei à cena ao ouvir, Que isso, que isso, E ainda levei cerca de três segundos para entender o que acontecia. Acho que não queria acreditar.
O homem caiu. Por cima de duas mulheres no elevador, de frente para mim. Ele era novo, quem sabe um pouco mais de 30 anos de idade. Começando a vida. Ele caiu. No elevador, que porventura estaria vazio. O espelho estava lá também para receber sua cabeça, com estilhaços previsíveis noutro contexto. Poderia ser enquanto atravessava a rua em meio aos carros. Um sinal, uma esquina, um ônibus para pegar... automatizados seguimos sem nos importar com o que está a nossa volta.
Já naquele ambiente, o tempo parou. A imagem congelou durante o passar de três segundos. Na verdade, devem ter sido uns nove segundos. Mas foram três bem determinados para cada vez, ligados por outros segundos sem muitos detalhes para narrar. Afinal, a realidade disputava território com meus pormenores. Podemos dizer que ali eram por-menores.
Sei que o olhar não mais existia. Eu o procurava, mas não aparecia. Talvez isso tenha me deixado inerte. O olhar que não estava mais lá. Apenas um corpo caído no chão, maleável como um boneco de pano, nenhum resquício daquele homem que parecia poder conquistar o mundo em realizações segundos antes. Agora dependia de alguém apertar um botão para se movimentar no universo. Para cima ou para baixo.
De onde vinha aquele medo... não sei exatamente. Sei que me senti desprovida de apoio, além do chão em que equilibrava minhas pernas. Nada podia evitar o tão súbito encerramento do meu capítulo. Tentamos sempre iludir o inevitável, mas eu não tinha esta pretensão. Apenas delineava que não poderia ter sido só isso. Na verdade, poderia, e esta possibilidade corroia minhas possibilidades. Uma a uma.
Em tão curto intervalo, lembrei de um milhão de fotografias ainda por tirar, visualizei todas as etapas por vir do crescimento do meu filho, visitei os lugares ignorados, li os livros por comprar e tentei absorver o máximo de um futuro vacilante. Ao mesmo tempo, a angústia me transtornava, por tudo isso aí relacionado. Tirava minhas perspectivas de momentos vislumbrados, meu motivo para querer continuar vivendo. É impressionante como a vida ganha sentido quando evidencia sua própria falta de sentido.
Sobre aquele olhar, ao qual fui extremamente displicente, em todo o egoísmo de meus temores, e dele ainda extraí falsa impressão, apesar de tão absorto quanto sua alma. O olhar já não estava mais em meus pensamentos quando o corpo caiu, dentro daquele cubículo de oscilação vertical. Retornei à cena ao ouvir, Que isso, que isso, E ainda levei cerca de três segundos para entender o que acontecia. Acho que não queria acreditar.
O homem caiu. Por cima de duas mulheres no elevador, de frente para mim. Ele era novo, quem sabe um pouco mais de 30 anos de idade. Começando a vida. Ele caiu. No elevador, que porventura estaria vazio. O espelho estava lá também para receber sua cabeça, com estilhaços previsíveis noutro contexto. Poderia ser enquanto atravessava a rua em meio aos carros. Um sinal, uma esquina, um ônibus para pegar... automatizados seguimos sem nos importar com o que está a nossa volta.
Já naquele ambiente, o tempo parou. A imagem congelou durante o passar de três segundos. Na verdade, devem ter sido uns nove segundos. Mas foram três bem determinados para cada vez, ligados por outros segundos sem muitos detalhes para narrar. Afinal, a realidade disputava território com meus pormenores. Podemos dizer que ali eram por-menores.
Sei que o olhar não mais existia. Eu o procurava, mas não aparecia. Talvez isso tenha me deixado inerte. O olhar que não estava mais lá. Apenas um corpo caído no chão, maleável como um boneco de pano, nenhum resquício daquele homem que parecia poder conquistar o mundo em realizações segundos antes. Agora dependia de alguém apertar um botão para se movimentar no universo. Para cima ou para baixo.
Raquel Abrantes
e o cara morreu mesmo? verdade?
ResponderExcluirPode ter morrido como pode não ter morrido. Aqui pode tudo. Inclusive aquilo que vc achar... o que vc acha?
ResponderExcluir"O homem caiu. Por cima de duas mulheres no elevador, de frente para mim." E as mulheres foram propositalmente escolhidas por ele para que seu peso fosse sentido primeiro em suas cabeças (e ele sentisse o perfume dos cabelos ainda molhados) depois em seus ombros (e a lembrança da delicadeza do creme recentemente passado) , rolando em seguida pelo seus colos (habitado por ele tantas e tantas vezes) arfantes do susto e, por fim, a inevitável queda (o vazio da queda é a queda sem aqueles corpos). Foi uma queda inevitável, assim como foram os três segundos também acompanhados por mim que descia as escadas por detrás de um velho biombo. A constatação da queda era o tempo e o espaço reduzidos num único lugar. E fiquei/ficamos ali, estarrecidos e presos, infinitamente presos naqueles três segundos...
ResponderExcluirbjs
CEL
Ps: Seu texto é fomentador dos meus. Foi inevitável esta 'queda' sobre teu texto...rs.
=) Carlos, digo o mesmo dos seus... Escreveríamos facilmente um livro juntos!
ResponderExcluirMuito bom o texto Raquel!
ResponderExcluirfiquei angustiada do início ao fim.
Topas? vamos?
ResponderExcluirMinha linda, "Três segundos" são na verdade eternidade na vida de algumas pessoas...
ResponderExcluirCara como posso ser amiga de alguém tão inteligente? rsrsrs Te amo sempre e muito.
passei por aqui Bonsventus doces dias bjsmuitostodosvarios!
ResponderExcluirMelhor cartão de visita não podia ter, cheguei por recomendação de uma amiga, fiquei por encantado. Belo texto ,
ResponderExcluir"favorites add"
Lembrei daquele filme "A insustentável leveza do ser".
ResponderExcluirparei e li, ou li e parei....
ResponderExcluirShow! Muito Bom!
Bjão!
Agora dependia de alguém apertar um botão para se movimentar no universo. Para cima ou para baixo.
ResponderExcluirMuito bom, Raquel.
Beijos,
Raquel