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Mostrando postagens de maio, 2009

Não foi tão bom assim

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Não foi tão bom assim, ele disse, apenas abri a porta que estava na frente, sem a outra fechar. Criei um canal entre minhas vontades, desconsiderei as chaves diferentes que deveria usar. Deixei o vento invadir a passagem, fazendo a porta bater, esconder o que queria olhar. O peso do chaveiro rasgou meu bolso e quase fiquei sem portas para entrar. As viagens imaginadas para algum destino foram trancadas do outro lado, junto ao menino que não pude conhecer, nem tive chance de brincar. Tudo tem seu momento, umas coisas mais, outras, menos tempo, depende do acordo e se aguento a carga que devo carregar. Todavia não consigo disfarçar meu contentamento assim que você esbanja alegria em seu modo de andar. Faz parte da natureza masculina, não posso evitar. Não foi tão bom assim... mas apareça quando puder... E sua inspiração, como está? A editora voltou a te procurar? Estou chegando lá, começo a escrever já, já, você vai ver, se a porta entreaberta ficar... Sabe que te respeito, só não

Ninguém ligou

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No dia seguinte, ninguém ligou. Quando fiquei mais velho sozinho no meu canto, apesar de ver claramente a cruzada de pernas no sofá, acendi o cigarro, da marca que ela fumava, e deixei queimar no cinzeiro, para ver se o cheiro do perfume surgia junto no ar. Fui dormir e deitei do meu lado, o esquerdo, e do outro coloquei o travesseiro para ter o que abraçar. Jogava as pernas por cima, eu costumava envolver o corpo dela antes de desmaiar. Tentei pensar no trabalho, mas sonhei com o vermelho do vestido... sem o corpo que mexia comigo. Como pude esquecer aquela data, hoje lembro de todas, incluindo as que criamos para comemorar. Ligava a televisão e ela, o som, disputávamos o ambiente, por nossos gostos diferentes, agora a tevê virou apoio do retrato que não paro de olhar. Cada vez é mais difícil o suplício de aceitar a lâmpada que fiquei de trocar, a parede que deixei de pintar. Sorria todos os dias pela manhã... e não pude acreditar. Ninguém ligou no dia seguinte. Raquel A

Padrão

Através do espelho, Fabiana exteriorizava sua insatisfação permanente com a realidade. A sobrancelha era torta, assim como as imperfeições de seu rosto, e os cabelos brancos saltavam da franja que tentava disfarçar o passar dos anos. Reservados momentos de agonia na tentativa de aprimorar as naturais irregularidades, comuns aos seres humanos. No ventre daquela mulher, oco de vida, jazia a infelicidade prometida por sua angústia de existir. Cada contorno do corpo denunciava a ansiedade de sua fome desmedida, ao mesmo tempo em que as roupas eram rigorosamente passadas, em seu padrão quase perfeito de aparência. Mas ela sabia que ainda podia melhorar. E, por mais que seus microscópicos incômodos escapassem às vistas dos outros, o contentamento estava longe. O banho servia para apaziguar o tormento, enquanto a mente continuava operando incessantemente para que nada fugisse ao controle de sua vontade. A toalha dobrada no canto esquerdo da parede lembrava um anúncio de hotel e os chin
. Saudade do que não lembro mais sonhei perder esqueci conquistar A vida não vivida vivências mal-ditas Quase sórdido tempo fluído estampado na marca de batom que o vermelho deixou temporariamente em sua lembrança. Raquel Abrantes

Desassossego

Engasgado com pílulas de nervosismo, Jonas recorre a goles de alegria nos momentos anteriores à comemoração. Tem a visão do churrasco... com amigos, companhia feminina e pessoas que ocupariam cadeiras no evento. O que não importava esquecia facilmente. (Não importava?) Na comemoração dos vinte e cinco anos, um quarto de século ocupando a vida não encobria o fato de conseguir destaque por seu metro e noventa de altura. Aliava uma presença descontraída e atraente à gangorra de suas atitudes. A roupa que ia colocar seria a primeira que suas mãos alcançassem. Nem mesmo o conforto tinha vez na impossibilidade de escolha. Cedo, seus olhos já denunciavam a irritação concedida pela abstração química. E sua mente dividia espaço com seu corpo entre os amigos, em duas dimensões que se cruzavam, metamorfoseavam seu estado de espírito. Letícia chega como o estardalhaço de fogos de artifício na cabeça dos convidados. As pessoas mais próximas ao aniversariante se entreolhavam, um tanto constra

Quais seriam as palavras?

Entrei distraidamente naquela visão. O som e as cores de uma respiração agitada, mal-humorada, arrancaram meu ar abruptamente. Exercendo papel de destaque perante o resto dos mortais, ela esbanjava a certeza de não ser enganada, na simplicidade e na juventude de movimentos determinados. Detinha conscientemente o poder sobre quem a olhasse. A carta continuou em minhas mãos trêmulas e a silhueta me encarava desdenhosamente... até mover o rosto, consentindo minha participação no futebol de mesa. Me aproximei imediatamente. Honrado estava ali em pé, enquanto a rapidez dos braços dela no jogo incitavam... Incitavam a abertura refletora entre duas ondas perfeitas. A inocente maldade de esconder a bola entre os lábios... e depois atirá-la, liberando desprezo. Traduzia a benção da qual precisava para minha absolvição. Virou-se e seguiu em direção ao bar sem desviar a atenção concedida a seus deveres. Segurava com firmeza os copos atingidos pela correnteza da água da bica. Fui incapaz de e

Chuva

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Começou a chover em nossos pensamentos de procurar abrigo. As gotas no vidro olhavam pra mim abstraindo a graça do verão. Do brilho que fazia tudo rir, estava cinza e opaco entre nossos lugares... que não se encontravam. A rua era a mesma, apesar da mudança da estação, e não resistimos ir em direção ao reconhecido. O guarda-chuva cobria parcialmente nossos corpos, que mantinham certa distância (recomendada) em meio ao frio que tentávamos enganar com o suor do reencontro. Nas suas palavras, minhas expressões acalmavam, incentivando a beleza que sua vontade inspira (calada). E na transparência dos seus olhos me despia, encoberta pelo medo, incerto do momento. A troca de mãos sobre a haste que nos protegia permitia o mínimo contato, velado e contagioso. O quanto já sabemos da vicissitude dos fatos me queria mais que a você e, alerta, me propus a ir embora. Você deixou que me partisse, inaudita de conhecimento e imune de sentimentos que não pude perceber. Raquel Abrantes