Padrão
Através do espelho, Fabiana exteriorizava sua insatisfação permanente com a realidade. A sobrancelha era torta, assim como as imperfeições de seu rosto, e os cabelos brancos saltavam da franja que tentava disfarçar o passar dos anos. Reservados momentos de agonia na tentativa de aprimorar as naturais irregularidades, comuns aos seres humanos.
No ventre daquela mulher, oco de vida, jazia a infelicidade prometida por sua angústia de existir. Cada contorno do corpo denunciava a ansiedade de sua fome desmedida, ao mesmo tempo em que as roupas eram rigorosamente passadas, em seu padrão quase perfeito de aparência.
Mas ela sabia que ainda podia melhorar. E, por mais que seus microscópicos incômodos escapassem às vistas dos outros, o contentamento estava longe. O banho servia para apaziguar o tormento, enquanto a mente continuava operando incessantemente para que nada fugisse ao controle de sua vontade.
A toalha dobrada no canto esquerdo da parede lembrava um anúncio de hotel e os chinelos, simetricamente posicionados logo abaixo, encerravam o ritual de sua saída do chuveiro. Tudo da mesma cor, como para estabelecer o equilíbrio que ela tanto procurava.
O marido de Fabiana sempre a aguardava na cama, com a terrível mania de enrolar o lençol entre as pernas. Coisa que ela detestava. Ia amassar e ficava tão desagradável aos olhos... Ela precisava reclamar toda noite para que o cenário fosse digno de um filme de Hollywood.
Até que o filhote de labrador corria em sua direção e a alegria iluminava sua face por alguns minutos, antes de limpar as patas e o traseiro do cão, que não podia ficar sem perfume. Os pêlos eram escovados diariamente, cem vezes para um lado, cem vezes para o outro, antes de se deitar.
Era uma vida quase perfeita. Ela se esforçava para isso. Seu marido era um bom homem, que entendia a dedicação daquela mulher, determinada em ser a melhor esposa que alguém pudesse ter, a mais vaidosa, a mais caprichosa, a mais bem-sucedida, a mais inteligente e a mais exigente.
As pernas do casal se cruzavam embaixo dos lençóis, como as de qualquer outro no meio da noite, ensaiando o início do descanso merecido após um dia de trabalho. Ele se aproximava ansioso pelo carinho lento e progressivo de seus lábios, invadindo o espaço oposto ao seu, sem pedir licença, na busca do prazer que o fazia continuar. Fabiana abafava as palavras no sentido da euforia, resumindo o assunto para que conversa fosse rápida.
Afinal, no dia seguinte era preciso acordar cedo para preparar a mesa do café da manhã, escolher a roupa do marido, arrumar a cama, e levar a vida da maneira mais organizada possível. Limpa e combinando. Ele admirava aquela dedicação e sabia que não era fácil encontrar uma esposa assim, tão esforçada. Além do que, filhos podiam ser adotados... mas, de qualquer forma, davam muito trabalho para limpar, arrumar, padronizar...
No ventre daquela mulher, oco de vida, jazia a infelicidade prometida por sua angústia de existir. Cada contorno do corpo denunciava a ansiedade de sua fome desmedida, ao mesmo tempo em que as roupas eram rigorosamente passadas, em seu padrão quase perfeito de aparência.
Mas ela sabia que ainda podia melhorar. E, por mais que seus microscópicos incômodos escapassem às vistas dos outros, o contentamento estava longe. O banho servia para apaziguar o tormento, enquanto a mente continuava operando incessantemente para que nada fugisse ao controle de sua vontade.
A toalha dobrada no canto esquerdo da parede lembrava um anúncio de hotel e os chinelos, simetricamente posicionados logo abaixo, encerravam o ritual de sua saída do chuveiro. Tudo da mesma cor, como para estabelecer o equilíbrio que ela tanto procurava.
O marido de Fabiana sempre a aguardava na cama, com a terrível mania de enrolar o lençol entre as pernas. Coisa que ela detestava. Ia amassar e ficava tão desagradável aos olhos... Ela precisava reclamar toda noite para que o cenário fosse digno de um filme de Hollywood.
Até que o filhote de labrador corria em sua direção e a alegria iluminava sua face por alguns minutos, antes de limpar as patas e o traseiro do cão, que não podia ficar sem perfume. Os pêlos eram escovados diariamente, cem vezes para um lado, cem vezes para o outro, antes de se deitar.
Era uma vida quase perfeita. Ela se esforçava para isso. Seu marido era um bom homem, que entendia a dedicação daquela mulher, determinada em ser a melhor esposa que alguém pudesse ter, a mais vaidosa, a mais caprichosa, a mais bem-sucedida, a mais inteligente e a mais exigente.
As pernas do casal se cruzavam embaixo dos lençóis, como as de qualquer outro no meio da noite, ensaiando o início do descanso merecido após um dia de trabalho. Ele se aproximava ansioso pelo carinho lento e progressivo de seus lábios, invadindo o espaço oposto ao seu, sem pedir licença, na busca do prazer que o fazia continuar. Fabiana abafava as palavras no sentido da euforia, resumindo o assunto para que conversa fosse rápida.
Afinal, no dia seguinte era preciso acordar cedo para preparar a mesa do café da manhã, escolher a roupa do marido, arrumar a cama, e levar a vida da maneira mais organizada possível. Limpa e combinando. Ele admirava aquela dedicação e sabia que não era fácil encontrar uma esposa assim, tão esforçada. Além do que, filhos podiam ser adotados... mas, de qualquer forma, davam muito trabalho para limpar, arrumar, padronizar...
Raquel Abrantes
De todas as mulheres existentes sou a mais perfeita, perfeita desorganização, desalinho impecável ao "tentar" arrumar, pentear, escovar,perfumar, agradar e por fim exausta...não amar... rsrsrs
ResponderExcluirLindo minha linda!