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Mostrando postagens de agosto, 2010

Sem mais nem menos

Assim, sem mais nem menos, o som dispersou-se sozinho. Nem uis, nem ais, nada mais. Cada um seguiu seu caminho. Assim, sem mais nem menos, o momento se escondeu entre gestos antigos, se perdeu, Evitou o que anoiteceu. Assim, sem mais nem menos, Da intimidade restou distância, Da saudade ficou ânsia, Do cuidado, inconstância. Assim, sem mais nem menos, Sombra virou o que era vivo. Deixou de arder, sem aviso, Com você e comigo. Em linhas não traçadas Quase planos, quase nada O silêncio se instalou, sabemos Assim, sem mais nem menos. Raquel Abrantes

Queria eu

Queria eu morrer em toda parte Desse assassinato mútuo, delirante, cotidiano Sem pensar que há vida após o tiro Mirado, definido. Preferido. Morte da matéria fraca, tentada a morrer iluminada, a todo momento, Na cegueira imóvel de um instante, por gosto a apurado veneno. Queria eu morrer entre palavras Acentuadas, insensatas, altivas De falas arfantes e instigantes Perante a vontade consumida. Quantas vezes já nos matamos Dessa morte repetida, curtida Esquecendo um no outro a própria vida Crime em que culpados somos. Queria eu morrer torturada Para um instante de realidade infinita Verdade intensa, derramada, De uma morte bem matada. Por que deixar de nos matar, nesta vida, se vida com vida se renova? Sobrevivência é um instinto que venera a vida, e não a boa morte. Raquel Abrantes

Cores e Dores

Era toda a dureza das expressões tipicamente masculinas que arranhava a paz de Linda. Fosse apenas por um olhar faminto, daquela fome comum a homens e mulheres que se desejam, e levem peremptoriamente à formação de um casal, depois uma família. As intenções, contudo, eram embuçadas pelas memórias torrenciais da agressividade do homem. A agressividade da cobiça por sua beleza, que remexia suas entranhas cena a cena daquele dia inseparável de sua existência. Linda dormia com sua camisola de laços cor-de-rosa quando seu tio girou a maçaneta. A luz do corredor gerou estranhamento do sono de uma menina de 12 anos, já entupida de amores cinematográficos, mas ainda confortada pelo urso de pelúcia Geraldo, que velava seus sonhos toda noite. Seus pais viajaram e o tio se ofereceu prontamente para servir de babá pelo período de 15 dias corridos. Linda adorava o tio Fred, que costumava levá-la a passeios, jardins zoológicos, parques de diversões e circos desde sua primeira infância. Frederico