A rua
Um dia normal de trabalho continuava na minha semana. Era quase a hora do almoço e, enquanto imaginava o que haveria no cardápio, verificava as desordenações da minha caixa de e-mails. Entre um spam e outro, bocejos me irrompiam até o esticar dos braços. Simples movimento com alto teor de liberdade incorporado. Às vezes precisamos intercalar ilusões às necessidades da vida.
Contava tempos sem ver o dono daquela voz... e as perspectivas de reencontro viravam a esquina na minha memória, fazendo um desvio na contramão. Imediatamente meu rosto denunciou as marcas de expressão causadas pelo sorriso. Lembrei de nunca ter considerado as minúcias das ruas paralelas à minha e aqueles crassos e-mails remetiam às vias transversais do meu passado, tencionadas a interditar a passagem.
Depois do inesperado chamado, os bocejos descansaram e a disposição assumiu a agenda, seguindo o calor da calçada. A fome de luz não seria suprida pelo cardápio, mas o estômago precisa de algo para digerir. É como uma mente vazia: devemos abastecer com opções positivas, ou as negativas se manifestam. Alimentada, passei o restante do dia mirando a satisfação a cada piscar.
Estava marcado para as nove e cheguei inaugurando novos acessos. Somente por ter observado detalhadamente minha rua desde a última vez. Habituei-me à personalidade do asfalto, contemplei os desenhos formados pelas pedras portuguesas, aceitei as descontinuidades na tinta da faixa de pedestres. Construí um quebra-molas e atravessei.
Contava tempos sem ver o dono daquela voz... e as perspectivas de reencontro viravam a esquina na minha memória, fazendo um desvio na contramão. Imediatamente meu rosto denunciou as marcas de expressão causadas pelo sorriso. Lembrei de nunca ter considerado as minúcias das ruas paralelas à minha e aqueles crassos e-mails remetiam às vias transversais do meu passado, tencionadas a interditar a passagem.
Depois do inesperado chamado, os bocejos descansaram e a disposição assumiu a agenda, seguindo o calor da calçada. A fome de luz não seria suprida pelo cardápio, mas o estômago precisa de algo para digerir. É como uma mente vazia: devemos abastecer com opções positivas, ou as negativas se manifestam. Alimentada, passei o restante do dia mirando a satisfação a cada piscar.
Estava marcado para as nove e cheguei inaugurando novos acessos. Somente por ter observado detalhadamente minha rua desde a última vez. Habituei-me à personalidade do asfalto, contemplei os desenhos formados pelas pedras portuguesas, aceitei as descontinuidades na tinta da faixa de pedestres. Construí um quebra-molas e atravessei.
Raquel Abrantes
Precisamos intercalar ilusões às necessidades da vida!!! Assino embaixo.. O que seria do mundo sem as pequenas coisinhas, o instante mágico, mesmo que de vez em quando... Sou fã!!
ResponderExcluirAdorei este texto. Tem paixão e arrebata.
ResponderExcluirQuando era mais jovem conheci uma sanzala onde mandava um soba de carapinha branca. Homem sábio que tinha a seu lado, dando-lhe mais saber, a sua matriarca - a kuxingila da aldeia. A senhora era dona de um saquito de pele de bambi cheio de pós de fumo, que transportava à cintura. Nas noites de acender fogueiras queimava os pós chamando as espirais nelas se metendo a invocar magias para curar os males do povo do soba de carapinha branca.
Percebi agora, ao ler o seu texto, que a Kuxingila andava à procura dos seus quebra-molas.
Não pare, Raquel, continue a dar-nos a beleza da sua escrita.
Um abraço deste português branco, nascido em terra negra, que vive hoje no país mestiço que é Portugal.
Nunca tinha pensa nisso... será que se eu construir um quebra-molas amenizará minha travessia também? rsrsrs!
ResponderExcluirOi linda! Sempre destroi em suas construções e emoções literárias! Amo você!
Antes de mais nada, quero deixar registrada aqui a minha grata surpresa...Surpresa dessa das boas, que arrebatam e cativam de uma só vez...Eu conheci essa moça há tanto tempo, não conhecer , conhecer de fato:Mergulhar no ser,descobrir que dentro daquele rosto bonito, do jeito leve de menina despreocupada, morava uma alma tão rica que amadureceu de uma forma tão encantadora!Um português perfeito,uma criatividade ímpar,sutileza,encanto e sedução...A arte do bem escrever, o escrever "amarrado",o escrever que te prende, prende o leitor, faz pensar, imaginar e ter um doce gosto na boca.Essa mulher de hoje guarda a suavidade daquela menina,mas está envolta em novos fios de seda,fios que amarram a vida, fios de quem observa a vida com olhos sábios, olhos críticos, olhos despertos e curiosos...Lindos olhos amendoados que brilham ao descortinar detalhes e tecê-los cuidadosamente para o deleite de outros que também estão dispostos a despertar.Aceito-te como aquela que nos conduz pela mão a esses grandes mistérios e prazeres escondidos.A partir de hoje, você foi eleita a nossa "Esposa do médico",nos guie pela cegueira cotidiana,quando a beleza, o espanto, a estranheza se perderem ou passarem desapercebidas,mostre-as!Não podemos aceitar amarras, a minha essência, a sua,a de todos nós só pode ser exercida pelo exercício dessa liberdade,a liberdade de ver, de estar e de escolher ler o que há de melhor...assim sendo, posso dizer, que a pura essência do meu ser abriga o que fomos e principalmente o que nos tornaremos, dialética fantástica que permite que você faça parte de mim e eu de você."tudo se compõe e se decompõe", hoje iniciamos a construção de novas personagens:a fã e a escritora...E o tempo seguirá,seguirei também por minha rua de tijolinhos amarelos!rs.Bj gde.
ResponderExcluirVoltei. Ao ler o comentário da Melissa Barbosa não resisto a deixar aqui a minha alegria por ler alguém que passou pelo Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago.Um abraço Melissa.
ResponderExcluirEstá a ver, Raquel, onde a sua escrita mágica nos leva? Continue.
Um abraço
Melissa, que emoção em ler suas palavras... Não sei o que dizer, obrigada pelo carinho, fico muito feliz que vc goste tanto do que sai daqui. Isso aqui não seria nada sem as pessoas que, como vc e como Carlos, dão sentido real às palavras que escrevo e deixo flutuar... até que vocês as incluam em sua vida e concedam brilho aos rabiscos, antes opacos e sem função. Sou grande seguidora do genial José Saramago... que honra ser comparada àquela mulher sensacional que ele criou. Beijos enormes.
ResponderExcluirCarlos, fico muito feliz de poder compartilhar de sua sensibilidade por minhas palavras e pelas suas. Abraço do lado de cá do oceano.
Mas como passar pela vida sem tê-la sido atravessada por Saramago, Carlos?O gajo é genial!Espero que ele esteja melhor de saúde e nos dê muitos outros presentes ainda.Obrigada pela sua consideração, mas o mérito é todo dele!E aqui, de nossa amiga, que realmente faz mágica com as palavras.São esses encontros preciosos que fazem a internet valer à pena,não?Um grande abraço para vocês!
ResponderExcluirQuerida, adorei. Suas construções são muito ricas. A linguagem metafórica dando um significado diferente a uma simples paisagem urbana. Gostei mesmo. Beijos da sua Dinda
ResponderExcluirQuerida Raquel,
ResponderExcluirEscrever (e escrever não é para qualquer um)é inaugurar novos acessos. Que delicadeza de texto, que vida que você dá ao asfalto nosso de dada dia. Deveria dizer: o asfalto nosso de cada dia nos dai hoje Raquel? Por que não? Você é criadora, faz poesia com sua prosa e nos emociona com outras inesperadas paisagens, com suas palavras-quebra-molas. Lindo texto que nos põe no asfalto das suas palavras. Lembrei muito de um escritor que adoro: Felisberto Hernandez. "O cavalo perdido" Cosac&Naif editora.
bjs do teu leitor
Carlos Eduardo
Querida,
ResponderExcluirQue grata surpresa!!!
Saudades...
Beijos,
Lucia
E aí Raquel...
ResponderExcluirTava meio enrolado nesses últimos dias, mas agora consegui o tempo que seus textos merecem.
Muito bacana heim... Parabéns!
Vou lendo todos aos pouquinhos.
Grande beijo!
Rafael Wallace