Desassossego
Engasgado com pílulas de nervosismo, Jonas recorre a goles de alegria nos momentos anteriores à comemoração. Tem a visão do churrasco... com amigos, companhia feminina e pessoas que ocupariam cadeiras no evento. O que não importava esquecia facilmente. (Não importava?)
Na comemoração dos vinte e cinco anos, um quarto de século ocupando a vida não encobria o fato de conseguir destaque por seu metro e noventa de altura. Aliava uma presença descontraída e atraente à gangorra de suas atitudes.
A roupa que ia colocar seria a primeira que suas mãos alcançassem. Nem mesmo o conforto tinha vez na impossibilidade de escolha. Cedo, seus olhos já denunciavam a irritação concedida pela abstração química. E sua mente dividia espaço com seu corpo entre os amigos, em duas dimensões que se cruzavam, metamorfoseavam seu estado de espírito.
Letícia chega como o estardalhaço de fogos de artifício na cabeça dos convidados. As pessoas mais próximas ao aniversariante se entreolhavam, um tanto constrangidas, estupefatas com as exaltações daquela estranha íntima.
Já habitando a estratosfera com a fermentação alcoólica, Jonas ri se esquivando das palavras nada intencionais de sua parte. Sua dissimulação sustenta a autoconfiança na qual precisa se apoiar – alça a si mesmo em sua capacidade de representação.
Ele não precisa dela. Aquela mulher que invade seus sonhos como um cometa, mudando a ordem temporal dos acontecimentos. Que adentra seus pensamentos, apesar de ébrio e longe do cadafalso.
Nem tanto, eu não estou pensando nela. Eu vivo a história, posso contar de forma bem mais eficiente. Mal posso acreditar nisso... Vanessa me ligando. (Logo agora, que assumi a narrativa!) Como poderia dizer algo, sem dizer o que não posso? Não posso.
(...)
Certa insatisfação aterrissa apaziguando a empolgação de Jonas. Apesar dos inúmeros bem-sucedidos términos e abandonos, este era o menos motivacional. Enquanto sua visão percorria o corpo de Letícia, ela tentava se infiltrar como uma espiã em seus devaneios. Ele a conduz discretamente para fora da casa, encostando-a em um carro que se banhava na lua cheia.
No melhor dos cenários, as gravuras se desfaziam. Escorriam manchando o chão para o qual Jonas olhava em busca da harmonia roubada pelo céu. As estrelas deixaram rastro no caminho até sua nostalgia e o passado já demais tardava.
O encerramento do churrasco no meio da noite (e meia) leva Jonas a se desvencilhar do primeiro encontro marcado, que evaporava ao infinito de possibilidades. A fascinação pelo o que eleva sua graça, ao mesmo tempo intriga suas expressões, num paradoxo inevitável. Por não querer há tempo demais, queria muito agora.
Aquela voz... determinante e determinada, em seus critérios e desprezos. Na obscuridade de sua alma, entre a pele e a carne, ali morava. Onde justa posicionava o perigo. Aquela voz frisada, partida, do desassossego aos sentidos.
Vanessa, posso pegar minhas coisas?
Na comemoração dos vinte e cinco anos, um quarto de século ocupando a vida não encobria o fato de conseguir destaque por seu metro e noventa de altura. Aliava uma presença descontraída e atraente à gangorra de suas atitudes.
A roupa que ia colocar seria a primeira que suas mãos alcançassem. Nem mesmo o conforto tinha vez na impossibilidade de escolha. Cedo, seus olhos já denunciavam a irritação concedida pela abstração química. E sua mente dividia espaço com seu corpo entre os amigos, em duas dimensões que se cruzavam, metamorfoseavam seu estado de espírito.
Letícia chega como o estardalhaço de fogos de artifício na cabeça dos convidados. As pessoas mais próximas ao aniversariante se entreolhavam, um tanto constrangidas, estupefatas com as exaltações daquela estranha íntima.
Já habitando a estratosfera com a fermentação alcoólica, Jonas ri se esquivando das palavras nada intencionais de sua parte. Sua dissimulação sustenta a autoconfiança na qual precisa se apoiar – alça a si mesmo em sua capacidade de representação.
Ele não precisa dela. Aquela mulher que invade seus sonhos como um cometa, mudando a ordem temporal dos acontecimentos. Que adentra seus pensamentos, apesar de ébrio e longe do cadafalso.
Nem tanto, eu não estou pensando nela. Eu vivo a história, posso contar de forma bem mais eficiente. Mal posso acreditar nisso... Vanessa me ligando. (Logo agora, que assumi a narrativa!) Como poderia dizer algo, sem dizer o que não posso? Não posso.
(...)
Certa insatisfação aterrissa apaziguando a empolgação de Jonas. Apesar dos inúmeros bem-sucedidos términos e abandonos, este era o menos motivacional. Enquanto sua visão percorria o corpo de Letícia, ela tentava se infiltrar como uma espiã em seus devaneios. Ele a conduz discretamente para fora da casa, encostando-a em um carro que se banhava na lua cheia.
No melhor dos cenários, as gravuras se desfaziam. Escorriam manchando o chão para o qual Jonas olhava em busca da harmonia roubada pelo céu. As estrelas deixaram rastro no caminho até sua nostalgia e o passado já demais tardava.
O encerramento do churrasco no meio da noite (e meia) leva Jonas a se desvencilhar do primeiro encontro marcado, que evaporava ao infinito de possibilidades. A fascinação pelo o que eleva sua graça, ao mesmo tempo intriga suas expressões, num paradoxo inevitável. Por não querer há tempo demais, queria muito agora.
Aquela voz... determinante e determinada, em seus critérios e desprezos. Na obscuridade de sua alma, entre a pele e a carne, ali morava. Onde justa posicionava o perigo. Aquela voz frisada, partida, do desassossego aos sentidos.
Vanessa, posso pegar minhas coisas?
Raquel Abrantes
nossa, psicodelica essa narrativa!
ResponderExcluirO Desassossego que amei até comentei no orkut, viajei em tempo decrescente...
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